Relatório da equipe de transição da agricultura: um museu de grandes novidades

É fato notório que boa parte do agronegócio brasileiro, ou quase todo, cravou alinhamento incondicional ao governo que finaliza. A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) foi linha de frente. Sempre elogiando as políticas do governo para a agropecuária, cuja titular da pasta era da FPA, defendeu o governo e o presidente com fidelidade bovina - para não perder o trocadilho. Os parlamentares, a imprensa e as associações representantes das cadeias produtivas do agronegócio rasgavam elogios à gestão do Ministério da Agricultura, avaliada sempre entre as melhores da Esplanada.

Buscando o apoio do agro e, de imediato, votos para aprovação da PEC da transição, o governo Lula escalou para o grupo técnico da agricultura da Comissão de Transição Governamental um time formado, em boa parte, por personagens do agronegócio alinhadíssimos ao governo que se finda.

Assim, no Centro Cultural Banco do Brasil por dias a fio ruminaram a gestão do Mapa dos últimos quatro anos vários parlamentares expoentes da FPA, representantes de associações de frigoríficos e de produtores, ex-ministros e dirigentes que ocuparam cargos no ministério. 

Com a escalação da equipe de transição tão afinada, por óbvio, mantendo a coerência, a expectativa quanto ao relatório final da equipe de transição seria por uma confirmação dos bons resultados e sugestões de melhorias para o próximo governo. Pois não é que, para surpresa, o relatório foi extremamente crítico à gestão! A seguir algumas pérolas:

Nos últimos 4 anos houve redução de investimentos no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). A parte discricionária do orçamento se reduziu em 31%. Para a assistência técnica e extensão rural houve redução de 73% no Projeto de Lei Orçamentária (PLOA), somente no último ano.

O descaso na área ambiental prejudicou os investimentos da agropecuária em sustentabilidade. O Plano de Agricultura de Baixo Carbono (ABC), que já teve 14.500 contratos na safra 14/15 foi reduzido a 3.800 na safra 20/21. 

Os estoques públicos de alimentos foram reduzidos. Há um déficit de capacidade de armazenamento de 89 milhões de toneladas. 

A pesquisa agropecuária foi fragilizada, com a Embrapa tendo seu orçamento reduzido em 27% nos últimos 4 anos, enquanto a Ceplac está em crise com a extinção do quadro de pessoal. O Plano Transforma Embrapa é um exemplo de tentativa de mudança desastrada.

A Rede de Laboratórios Federais de Defesa Agropecuária perdeu mais de 300 profissionais e teve sua capacidade de garantir a qualidade de insumos agropecuários, dos produtos de origem animal e vegetal, bem como a capacidade reduzida de identificar pragas e doenças.

A aquicultura e pesca, que já teve R$ 800 milhões de orçamento, hoje está reduzida a um recurso de R$ 20 milhões, incapacitando políticas para o setor.

Há redução na área de plantio de alimentos básicos como arroz, feijão e mandioca aos menores níveis da série histórica.

A defesa agropecuária que garante a sanidade dos rebanhos e lavouras, a idoneidade dos insumos agropecuários e a qualidade dos produtos de origem animal e vegetal teve seu recurso reduzido em 31% (a níveis reais) nos últimos 4 anos. O déficit de pessoal é crônico e afeta as fiscalizações. 

Foram desmantelados departamentos das áreas fins da defesa agropecuária para a criação de 3 departamentos de áreas meio. 

É difícil compreender como componentes da FPA e setores produtivos são tão críticos à gestão do Mapa, quando há tempos os titulares da pasta são seus componentes ou indicados.

Ao comparar o discurso, o histórico e as práticas dos componentes da equipe de transição frente ao conteúdo do relatório, estaremos diante de duas possibilidades: o discurso não corresponde aos fatos ou, quem sabe, mudaram de opinião de novembro para cá!

Para os que estão no ministério da agricultura, que conhecem a cozinha da casa, que fazem as honras aos visitantes, nada é novo. O relatório, para nós, é um museu de grandes novidades. Descreve parte das consequências de uma política deliberada, aplicada, não é de hoje, desde que a casa virou feudo do agro.

Mas, como diz o poeta, se por um lado parece mesmo que as ideias não correspondem aos fatos, por outro, é certo que o tempo não para. Sai ministro, entra ministro... as pautas são as mesmas. Muda somente o estilo de cada personagem. Para nós, que continuaremos no ministério, resta lutar mais uma vez e mais outra, muitas vezes entre nós mesmos, para não ver o futuro repetir o passado.

 

*Diretor de Comunicação e Relações Públicas do Sindicato dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários (ANFFA Sindical) e médico veterinário. 

* Opiniões pessoais não refletem o posicionamento do Sindicato.

 

 

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