A segurança dos alimentos é uma  responsabilidade partilhada 

Uma iniciativa pioneira para avaliação da qualidade e segurança dos produtos de origem animal com o selo SISBI 

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Por: Claudia Valéria Gonçalves Cordeiro de Sá¹ e Judi Maria da Nóbrega²
 

As tendências de consumo de alimentos apontam para os atributos de sensorialidade, saudabilidade, praticidade, qualidade e sustentabilidade. Os consumidores estão mais informados e atentos aos rótulos e ingredientes, mais preocupados com sua saúde e bem-estar, interessados pelas práticas de produção sustentáveis e éticas. Isso pode refletir no crescente interesse pela produção local ou regional de produtos de origem animal como queijos, linguiças, carne de aves e ovos caipira, produtos orgânicos etc., que, em sua maioria, são produzidos por agroindústrias de pequeno porte sujeitas à inspeção municipal (SIM) ou estadual (SIE).

Os estabelecimentos que possuem produtos inspecionados por serviços reconhecidos como equivalentes pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e integrarem o Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal (SISBI-POA) poderão comercializar seus produtos em todo território nacional. Isso representa uma importante estratégia para a construção de novos circuitos de mercado, dinamização das economias locais, geração de empregos, possibilidade de investimentos, valorização da agrobiodiversidade e do patrimônio sociocultural das comunidades rurais.

Entretanto, para que esse mercado possa funcionar de forma equilibrada existe uma imperiosa necessidade de que se cumpram regras harmonizadas entre todos, para não se gerarem situações que provoquem distorções devido a práticas que configurem deslealdade de concorrência. Segundo o Codex Alimentarius, que é uma instituição vinculada a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), os sistemas nacionais de controle de alimentos têm o propósito de proteger a saúde do consumidor e assegurar as práticas leais do comércio. 

Alinhado com isso, o SISBI-POA objetiva promover ações para que a inspeção dos produtos de origem animal seja uniforme, harmônica e equivalente, independente do ente federativo que a execute, visando a qualidade e segurança higiênico-sanitária desses produtos destinados aos consumidores. Para isto, é fundamental a coordenação efetiva do MAPA, realizando o planejamento, a gestão de programas, auditorias e demais ações necessárias ao fortalecimento da inspeção.

Uma das principais dificuldades apontadas pelos serviços de inspeção que almejam aderir ao SISBI-POA estão relacionadas às análises laboratoriais para verificar a conformidade dos produtos. Dentre os problemas relatados estão a carência de laboratórios para análise de alimentos, dificuldade na definição do escopo a ser contratado, escassez de recursos financeiros e a logística de envio das amostras. 

Para ajudar os Estados e Municípios a superarem esses obstáculos e aperfeiçoar seus procedimentos de gestão da inspeção e fiscalização sanitária, o Departamento de Suporte e Normas (DSN) e a Coordenação de Laboratórios Agropecuários (CGAL) trabalharam juntos para implementar os programas de análises oficiais, a fim de avaliar a qualidade, conformidade  e segurança dos produtos de origem animal com o selo SISBI. Assim, o DSN coordena e gerencia a execução desses programas, os serviços de inspeção municipais e estaduais coletam os produtos de origem animal com selo SISBI e atuam mediante os resultados, e os Laboratórios Federais Agropecuários (LFDA), sob a coordenação da CGAL, realizam as análises. 

Os parâmetros aplicados e os procedimentos de coleta de amostras seguem o preconizado nos manuais do MAPA para o Programa de Avaliação de Conformidade de Padrões Físico-químicos e Microbiológicos de Produtos de Origem Animal (PACPOA) e para o Plano Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes (PNCRC/Animal), adotados pelo serviço de inspeção federal.

Todo o planejamento foi elaborado com participação de todas as áreas envolvidas. Foram estruturados formulários padrão para solicitação das análises e informe dos resultados, realizadas capacitações e estabelecidos canais formais de comunicação.  Na definição dos planos amostrais, o DSN utilizou os dados de cadastro dos estabelecimentos no sistema de gestão de serviço de inspeção e-SISBI , considerou a distribuição geográfica dos serviços e estabelecimentos, e a capacidade laboratorial disponibilizada pela CGAL. 

Considerando as dimensões continentais de nosso país, as dificuldades e o elevado custo logístico, e os riscos da perda no transporte de amostras, uma grande preocupação foi evitar a rejeição de amostras pelos laboratórios, que poderiam chegar sem condições de análise. A solução encontrada para minimizá-la foi investir na capacitação dos serviços de inspeção, com abordagem sobre a coleta, acondicionamento e envio de amostras, preenchimento correto da solicitação oficial de análise, pontuando-se os principais motivos de rejeição e como evitá-los. 

Cerca de mil servidores foram capacitados entre 2021 e 2022, principalmente médicos veterinários dos serviços de inspeção participantes. Vários meios foram utilizados, como os cursos online, disponibilizados para servir como material de multiplicação do conhecimento, cursos presenciais e um curso EaD disponibilizado na plataforma da Escola Nacional de Gestão Agropecuária (ENAGRO) e intitulado “Recepção de amostras e interpretação de resultados de POA”, direcionado aos servidores do SIM e SIE. Em várias ocasiões, houve colaboração de especialistas de outros departamentos, o que enriqueceu os cursos com as diferentes experiências compartilhadas. 

A estratégia resultou no desenvolvimento de quatro projetos: o Projeto Piloto PACPOA-CONSIM, o Projeto Piloto PNCRC-Animal-SISBI, o PACPOA-SISBI e o PNCRC-Animal-SISBI. 

O primeiro, teve  início em outubro de 2021, com previsão de terminar em novembro de 2022. Abrange 11 serviços de inspeção municipais vinculados ao Projeto de Ampliação de Mercados de Produtos de Origem Animal para Consórcios Públicos de Municípios (CONSIM), que estavam pleiteando a adesão ao SISBI-POA. Ao todo devem ser analisadas 246 amostras de produtos de origem animal no LFDA do RS, GO e PE com o objetivo de avaliar a inocuidade e qualidade desses produtos. No final de 2021, foi ainda executado o segundo projeto, com participação de serviços estaduais, municipais e consórcios de Municípios aderidos ao SISBI-POA, que coletaram oito amostras de bovinos, suínos e aves, analisadas para três grupos químicos nos LFDAs de GO, MG e RS. 

O projeto CONSIM é uma iniciativa muito importante que o DSN adotou com objetivo de ampliar o número de Municípios incluídos no SISBI-POA, por meio da adequação e qualificação de Consórcios Públicos de Municípios e de seus serviços de inspeção, bem como dos estabelecimentos registrados, de modo que possam ser reconhecidos como equivalentes. Este trabalho certamente contribui para que número maior de consumidores brasileiros tenham acesso a produtos de origem animal inspecionados e seguros.

Os outros dois programas referem-se ao ano de 2022. Para o  PACPOA-SISBI, foram selecionados 16 serviços de inspeção municipais, estaduais e vinculados a consórcios de Municípios, distribuídos em 10 Unidades da Federação, que representam cerca de 85% dos produtos com selo SISBI ativo. Ao final, devem ser coletadas 387 amostras envolvendo 212 estabelecimentos, nas áreas de carne, leite, pescado, ovos e mel, que serão analisadas nos LFDA do GO, MG, PA, PE, RS e SP. 

Esse programa é muito abrangente, pois verifica se os alimentos de origem animal estão em conformidade com os Regulamentos Técnicos de Identidade e Qualidade (RTIQ) e outras normas que definem os padrões microbiológicos e a composição química dos alimentos. Além disso, também são realizadas análises para a pesquisa de fraudes econômicas, como por exemplo, avaliação do teor de água contida em cortes de frango, desglaciamento no filé de peixe congelado, teor de amido em produtos cárneos, adição de cloretos, amido, sacarose, formaldeído e substâncias redutoras voláteis no leite etc.

Por outro lado, o Plano Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes, que foi criado há mais de 20 anos, monitora sistematicamente resíduos químicos de interesse para a saúde pública nos animais encaminhados para abate e em leite, ovos, mel e pescado, processados em estabelecimentos sob inspeção federal.

A contaminação ocorre durante a criação dos animais produtores de alimentos, quando há falhas no uso de medicamentos veterinários, rações, exposição a agrotóxicos e outros contaminantes. Como isto acontece nas propriedades rurais, que podem enviar seus animais e produtos para estabelecimentos sob inspeção municipal ou estadual, é importante realizar um monitoramento nestas esferas de abate também, apesar do histórico de violações no Brasil ser baixo.

Assim surgiu a iniciativa do PNCRC-Animal-SISBI, um programa exploratório, que prevê a coleta de 180 amostras, abrangendo 108 abatedouros frigoríficos dos mesmos serviços de inspeção mencionados, que serão analisadas pelos LFDA-RS e LFDA-MG. As substâncias selecionadas para o monitoramento foram anticoccidianos e antimicrobianos em aves, antiparasitários em bovinos e antimicrobianos em suínos. 

Caso o resultado exceda os limites máximos aceitáveis, as áreas competentes  do Departamento de Saúde Animal (DSA) e do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (DIPOA) são comunicadas para coordenar a investigação nas fazendas de procedência dos animais, conforme a causa presumida da violação. Paralelamente, o abatedouro envolvido deverá apresentar um plano de ação com medidas corretivas e preventivas, além de serem providenciadas novas coletas de amostras para comprovação de que o problema foi sanado. 
 
Até o momento, observamos um índice de coletas alto e um baixo índice de rejeição de amostras, comprovando a importância e a eficiência da capacitação dos envolvidos.

É nítido que essa experiência trouxe várias vantagens para os envolvidos. O conhecimento adquirido pelos serviços de inspeção será útil para a definição do escopo e contratação de laboratórios que atendam suas análises fiscais, redução de rejeição de amostras, interpretação de resultados e ações fiscais condizentes, avaliação da formulação de produtos, ações de combate à fraude e a sistematização de seus resultados para orientar a inspeção com base em risco. 

Esses programas exploratórios possibilitam uma visão abrangente da qualidade e conformidade dos produtos com selo SISBI. Entretanto, o maior beneficiário desses programas é o consumidor brasileiro, pois, com o aperfeiçoamento dos serviços de inspeção oficiais, haverá um avanço na garantia da segurança dos alimentos de origem animal, inclusive aqueles produzidos pelas agroindústrias de pequeno porte.


1. Auditora Fiscal Federal Agropecuária, Médica Veterinária, Dsc

2.Auditora Fiscal Federal Agropecuária, Médica Veterinária

Fonte: Revista da Defesa Agropecuária

*Os artigos publicados não traduzem a opinião do Anffa Sindical. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos temas sindicais e de refletir as diversas tendências do pensamento.

 

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