A castanha do Brasil (Bertholletia excelsa, família Lecythidaceae) 

“Save the Amazon! Eat Brazil nuts.” 

A castanha do Brasil (Bertholletia excelsa, família Lecythidaceae) 
Image by Freepik

*Por Hugo Caruso - Diretor do DIPOV/SDA 
Fonte: Revista da Defesa Agropecuária


Este poderia ser um slogan para ser difundido por quem realmente se preocupa com a preservação da Floresta Amazônica. Proteger a Floresta é um desafio de toda a humanidade. Muito se fala em repreensão da derrubada da floresta, mas é necessário falar sobre a necessidade de melhoria das condições das populações locais, as  quais, se tiverem boas condições de vida, certamente serão as  principais vigias e protetoras da floresta. Um verdadeiro exército para defender um dos maiores patrimônios da natureza global.

Promover a castanha-do-brasil não se trata apenas de incrementar um produto a mais na pauta de exportações brasileiras, mas, sobretudo, valorizar os esforços das populações em manter a floresta em pé para que dela possam tirar seu sustento.

O homem faz parte do ambiente e necessita ser considerado com um produto do meio e assim, qualquer iniciativa que trate de preservação ambiental, a preservação da vida humana, melhoria das condições socioambientais obrigatoriamente devem ser consideradas. Por esse motivo, todos os esforços para a preservação da floresta devem vir acompanhados de medidas que visem a proteção e melhoria das condições da vida humana. 

Num sistema de exploração sustentável, essa sintonia entre homem e ambiente é a primícia para o desenvolvimento e por esse motivo, as iniciativas para o enfrentamento da destruição da floresta só terão sucesso se houver o incentivo para que as populações locais tenham uma vida digna.

O Brasil já foi um grande exportador de castanha-do-brasil. Entretanto,  devido a problemas relacionados com a falta de boas práticas de produção que acarretam em questões  de segurança do produto, atualmente  nosso mercado se restringe a poucos países e ao mercado interno.

O volume de castanhas exportadas mundialmente está em torno de 360 milhões de dólares. Nesse cálculo constam países que adquirem as castanhas, processam e reexportam. Assim, a Alemanha aparece na estatística como 4º maior exportador de castanhas-do-brasil. No entanto, o mercado mundial encontra-se nas mãos da Bolívia, que detém 44% do comércio global. Em segundo vem o Peru com 13,6 % (US$ 41,3 milhões) e depois o Brasil, berço original do produto com  pouco mais de 11% desse mercado. Peru e Bolívia juntos exportam 206 milhões de dólares de castanhas, corresponde a 28,5 mil toneladas. 

Das exportações brasileiras segundo Comexstat (2021), 65% do volume, cerca de 6,4 mil toneladas, são exportadas para esses dois países (Peru e Bolívia) que beneficiam, agregam valor e exportam para os demais países, principalmente  para os EUA e Europa.

Os dados oficiais do Comex Stat, demonstram que esses destinos pagam entre US$0,69 e US$1,27 o Kg de castanha com casca, enquanto em outros países, como o os EUA, China e Hong Kong o valor pago na média é de US$ 6,4 (dados de 2021). Portanto, 65% (em peso) do que exportamos, rendem em valores monetários US$ 7,77 milhões e os demais 35% comercializados para outros países geram US$ 33,4 milhões, totalizando os 41,26 milhões de dólares (11,5% do mercado mundial).



O que há de errado nessa história? Percebe-se claramente que a comercialização de frutos beneficiados, com qualidade e seguros ao consumo geram muito mais recursos do que a exportação bruta. No entanto, para conquistar esse mercado é necessário o atendimento de padrões higiênicos-sanitários mais elevados e por isso a necessidade de uma política pública que proporcione e  incentive a adoção de boas práticas por todos os entes da cadeia.

A começar pelos coletores dos frutos, que devem empregar técnicas que evitem a contaminação na floresta, cuidados durante o transporte para também evitar a proliferação dos fungos micotoxigênicos. O pagamento diferenciado de acordo com a qualidade do produto entregue nas usinas de beneficiamento certamente contribuiria pela adoção dos cuidados no manuseio e transporte. Já no beneficiamento se faz necessário a implementação de boas práticas que permitam segregar corretamente as sementes sadias das que não se prestam ao consumo e nesse sentido o desenvolvimento de tecnologias que permitam averiguar a qualidade nas diferentes etapas do processo tornam-se ferramentas essenciais para a agregação de valor. Somado às essas questões técnicas relativas à qualidade dos frutos, temas como incentivos fiscais, apoio nas questões trabalhistas, linhas de crédito para investimentos, educação continuada, assistência social entre outras ações das três esferas de governo, certamente podem mudar essa realidade para que o produto brasileiro alcance mercados mais exigentes, conseguindo assim uma valorização melhor do produto.

Um dos principais problemas de acesso da castanha brasileira nos mercados mundiais está relacionada com a segurança do produto, tendo em vista problemas recorrentes no passado por contaminação com aflatoxinas. Em razão da alta umidade da floresta e a forma de extração dos frutos, o produto fica muito suscetível ao ataque de fungos que produzem micotoxinas e que são perigosos ao consumo humano. A micotoxinas possuem efeitos carcinogênicos e por esse motivo os limites máximos de resíduos são muito baixos, especialmente na Europa. Os valores aceitos na europa para aflatoxinas em castanha-do-brasil para consumo direto  é de no máximo 10 ppb (total), o mesmo valor que está estabelecido pela Anvisa no Brasil. No entanto, o limite para aflatoxina do tipo B1 (a mais carcinogênica), o limite máximo europeu é de 5 ppb enquanto que no Brasil, o limite é para o somatório de todas as micotoxinas. Por essa razão, exportar para a Comunidade Europeia passou a ser um desafio muito grande, pois exige dos exportadores um controle muito mais rígido do processo produtivo para garantir a segurança do produto. Como se trata de uma cadeia de extrativismo, não é algo que se consiga fazer sem a união de esforços de todos os agentes, pois a base para o sucesso é a disseminação da informação.

No passado recente, o Brasil enfrentou o mesmo problema com o amendoim, ou seja, quase perdeu o acesso ao mercado europeu de amendoim em razão de repetidas detecções de aflatoxinas nos carregamentos destinados àquele bloco. No entanto, o autocontrole implementado pelas indústrias de amendoim com o apoio do MAPA mudaram essa realidade e hoje a qualidade do amendoim brasileiro é reconhecida mundialmente, sendo que as exportações crescem na ordem de 10% ao ano.

A castanha-do-brasil possui qualidades nutricionais excelentes. É o alimento mais rico em selênio conhecido até hoje e seu consumo traz melhorias significativas no perfil lipídico. Por isso, seu consumo é incentivado por médicos e nutricionistas. Contudo, o entrave quanto à segurança conforme mencionado,  faz com que o produto brasileiro acabe por ser comercializado praticamente no mercado interno e exportado de forma bruta, com casca. Há relatos ainda de que, em alguns estados, são comercializados informalmente ao Peru sem registros de exportação. Nesse caso, o problema se dá basicamente por questões tributárias, uma vez que é mais vantajoso para as associações de produtores venderem o produto para o Peru atravessando os emaranhados de rios da região, ao invés de comercializar para as empresas brasileiras de outras unidades da Federação em razão dos tributos e outros entraves burocráticos.

Assim, a riqueza do Brasil se vai por questões simples que poderiam ser facilmente resolvidas com uma política pública que favoreça as agroindústrias brasileiras e consequentemente toda a cadeia produtiva.

Uma pesquisa publicada em 2019 pelo pesquisador Salo V. Coslovsky demonstra de forma clara a necessidade de mudar esse cenário. Sob o título “Como a Bolívia Dominou o Mercado Global de Castanha-do-Brasil?” O pesquisador aponta os principais entraves deste segmento, dentre eles o problema com a qualidade do produto brasileiro no mercado externo, especialmente na Europa. 

A pesquisa relata a situação acompanhada pelo MAPA no início dos anos 2000, onde ao invés de buscar solucionar o problema das aflatoxinas, o setor produtivo caminhou para direção contrária, na tentativa de fazer com que os europeus mudassem o entendimento sobre segurança. A tentativa frustrada resultou no cenário atual, onde o Brasil é um mero exportador de matéria prima para Bolívia e Peru, os quais agregam valor ao produto e comercializam no restante do mundo.

Em 2010, o MAPA lançou a Instrução Normativa nº 11/2010 que trata dos critérios e procedimentos para o controle higiênico-sanitário da castanha-do-brasil, visando ter um controle maior do processo de exportação, a fim de que não houvesse a interrupção total das exportações. A norma ainda vigente, traz regras para evitar que cargas brasileiras sejam rechaçadas no exterior, no entanto os entraves existentes em toda a cadeia, sobrepõem às iniciativas de certificação oficial que acabam não acontecendo no volume esperado.

A falta de uma estrutura laboratorial privada na região produtora acaba sendo uma dentre as diversas dificuldades do setor, principalmente na exportação, visto que se faz necessária a realização de análises para comprovação do atendimento dos padrões de qualidade e segurança. 

Pensando no potencial dos produtos da bioeconomia e sabendo que as soluções não dependem exclusivamente de um único órgão ou mesmo de uma secretaria do MAPA, o DIPOV/SDA encomendou um estudo ao IICA para elaboração de um projeto denominado “Projeto Vitrines da Bioeconomia da Amazônia”,  que visa unir diferentes estruturas governamentais para que juntos ataquem todos os pontos que hoje dificultam os trabalhos e para que haja a melhoria da qualidade do produto, consequentemente, o aumento das vendas, melhorias das condições de vida das populações locais e, como maior benefício para todos, a preservação efetiva da floresta amazônica.

A ideia do projeto é para que todos os órgãos que tenham algum envolvimento com o tema, possam dar suporte em duas localidades específica que se utilizam dos recursos naturais (da sociobiodiversidade), de forma extrativista ou por meio de cultivo, como é o caso da castanha do brasil e do açaí, escolhidas para que sirvam de exemplos para as demais regiões produtoras e assim a realidade local possa efetivamente ser alterada. 

Uma das localidades situa-se na divisa dos Estados do Pará e Amapá, no Vale do Rio Jari e a outra no estado do Amazonas no município de Lábrea. Essas unidades darão visibilidade à importância:

  1. ​​do extrativismo e do plantio de produtos da sociobiodiversidade;
  2. da regulamentação do uso territorial e acesso aos direitos;
  3. das relações sociais, organizacionais e culturais desenvolvidas localmente;
  4. do acesso aos mercados de forma segura e justa.

No âmbito do projeto pretende-se envolver os diversos atores das cadeias de valor priorizadas, tais como: extrativistas/produtores, empresas de processamento, atores da comercialização, agentes reguladores dos produtos e as instituições de apoio técnico financeiro

As Vitrines da Bioeconomia da Amazônia visam desenvolver ações para o fortalecimento da bioeconomia, considerando a necessidade de se promover a agregação de valor aos produtos da floresta, por meio de capacitações, apoio ao planejamento, agregando itens de qualidade e segurança dos alimentos, promovendo a logística e acesso à novos mercados. 

O slogan “Save da Amazon! Eat Brazil nuts” pode se tornar uma campanha mundial de estímulo ao consumo das castanhas brasileiras com resultados efetivos para a preservação da nossa floresta. Nessa mesma linha, outros produtos podem ser agregados ao mesmo projeto, como por exemplo o açaí, o guaraná dentre outras riquezas que essa imensa floresta pode oferecer.

Se faz necessário incutir na população mundial que a preservação da floresta amazônica não se faz apenas com discursos e retóricas, mas se faz com ações simples como consumir um produto oriundo da floresta que proporcione com que as populações locais vivam dignamente com a renda proporcionada pela exploração sustentável. 

A castanha, fruto de uma belíssima e frondosa árvore, sinônimo de tanta energia, pode sim ser um dos símbolos da preservação ambiental no planeta.  A castanheira-do-brasil é uma árvore que pode viver por centenas de anos. No entanto, a idade média de uma castanheira-do-brasil é de cerca de 150 anos. Seu crescimento é lento, levando em média cerca de 10 anos para começar a produzir frutos. A produção de frutos aumenta à medida que a árvore cresce, atingindo o pico por volta dos 150 anos de idade.

Por causa de sua longa vida e sua importância econômica e ecológica, a castanheira-do-brasil é uma espécie de árvore ameaçada de extinção, sendo assim, sua conservação é fundamental para a manutenção da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos da floresta amazônica.






Destino das exportações brasileiras de castanha do Brasil em 2020


Fonte: https://oec.world

 

Exportações brasileiras de castanha-do-brasil - 2021

Fonte: Comex Stast 2021 - NCM 8012200
 






*Hugo Caruso - Diretor do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Vegetal (DIPOV), da Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura e Pecuária (SDA/MAPA).

**Os artigos publicados não traduzem a opinião do Anffa Sindical. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos temas sindicais e de refletir as diversas tendências do pensamento.

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